Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
...que passei a noite mais longa da minha vida. Continuo a lembrar-me de cada instante como se tivesse acontecido há instantes. Um ano e ainda dou por mim a pensar "ainda não liguei hoje à minha mãe", para logo me lembrar que tolice, ela já cá não está. Foi um fim tão longo e sofrido, que só terminou na manhã do dia seguinte. Faz amanhã um ano que partiu. O tempo passa mesmo a correr.
Coincidência ou não uma das orquídeas que herdei e que ela adorava, tinha imensas, floriu, como que em jeito de homenagem.
Vi ontem este filme que achei absolutamente fabuloso. Julianne Moore mais uma vez brilhante, de corpo e alma na personagem, Ellen Page muito bem também a fazer jus a uma personagem mais "acanhada" ou envergonhada, vá, da sua opção de vida. Steve Carell, de quem também gosto muito, embora com um papel importantíssimo e muito a sério na luta em que se centra este filme, consegue dar um toque de humor à história. O filme é baseado em factos reais e conta-nos a história de um casal homossexual que com a sua luta, no início da década de 2000, conseguiu que os casais do mesmo sexo tenham hoje alguns dos direitos como casais, que não tinham naquela altura. Estes exemplos são sempre de tremendo valor. Outra questão do filme que me é particulamente sensível é a luta contra o cancro do pulmão. Até da banda sonora eu gostei muito, eu que nem gosto da Miley Cyrus... Gostei mesmo do filme. Recomendo.
Dia 21 de Junho vou participar na Corrida Vencer o Cancro. Desconhecia esta corrida mas em conversa com um colega, guerreiro vencedor desta doença que me disse que vai participar com a mulher e pai na corrida e a mãe e a tia na caminhada, lançou-me o desafio e lá vou eu correr também. Este ano mais do nunca esta causa me é tão próxima. Malta amiga da corrida bora lá também!
Foi há um mês, vou lembrar-me de cada instante por mais anos que viva, disso tenho a certeza. Foi a noite em que acompanhei as últimas horas de vida da minha mãe. Foi duro, muito duro. Um sofrimento indescritível, como eu nunca imaginei ser possível. Não sei como é que é possível um ser humano resistir a tamanha violência durante tantas horas. No caso da minha mãe a morte aconteceu por asfixia, os pulmões foram deixando de funcionar. Antes dos pulmões já tinham parado o estômago, o pâncreas, os rins, já estava a fazer hipo profusão, desidratou, sei lá mais o quê. Sabia que o fim estava próximo, foram mesmo uns últimos dias terríveis. A cada dia uma má novidade, até do almoço para a noite fazia diferença vê-la.
Esta que foi a noite mais longa da minha vida, começou às 21h30, estava eu ainda com ela na visita, com a primeira paragem respiratória. A visita estava a ser bem difícil, nem imagina eu que o fim se aproximava a passos largos. Eu falava com ela, tentava que me respondesse, ou que reagisse pelo menos. Ainda me conseguiu dizer “Oh Cátia, a mão não pode…”. Aquilo custou-me horrores, lá lhe disse então ouve-me só, estou aqui ao teu lado, vou estar aqui até ao fim. Ela também sabia que era o fim, pelo meio dizia que queria morrer, que não aguentava mais. A dificuldade em respirar era tremenda, aflitiva até e de repente parou de respirar deixou cair a cabeça e eu à toa, percebi que o fim que médicos e enfermeiros me diziam estar próximo, estava mesmo ali. Descontrolei-me, chamei o enfermeiro e chorei compulsivamente, perdi a calma que tinha tão bem conseguido manter até ali, o meu coração disparou, de repente parecia que me saia da boca a qualquer instante. Ela voltou a respirar entretanto, foi a primeira de muitas apneias que fez durante toda a noite. O enfermeiro André puxou-me para fora do quarto e disse-me: “É agora, o fim chegou, isto vai ser sempre assim, pode demorar uma hora, pode demorar duas ou até cinco, ou mesmo a noite toda ou até um dia. Depende do que o corpo da sua mãe consiga aguentar. Quer ficar connosco esta noite? Eu acho que quer, do que tenho visto de si nestas semanas, sei que quer. Mas tem de se controlar senão não a posso deixar ficar.” Claro que quero ficar, respondi, e fiquei até ao fim. Veio a médica de permanência, foi-lhe administrada medicação para a manter mais calma e minimizar o sofrimento e ali ficámos as duas. Entretanto disseram-me que podia ter alguém ali comigo se quisesse, que era um momento terrível e que se pudesse estar acompanhada seria melhor. O Nuno estava a trabalhar, pedi à minha irmã A. que o fosse buscar e foram lá ter comigo, assim como a minha irmã P. assim que pode. Assistiram comigo o terrível sofrimento daminha mãe, fizeram aquele momento tão dramático, um pouco mais suportável. Aguentaram estoicamente tão dura prova. É terrível assistir assim aos últimos momentos de alguém. A partir das quatro e meia voltámos a ficar só eu e ela, entretanto já inconsciente (melhor assim). Ela esteve consciente até por volta das duas da manhã, dizendo que doía, balbuciando palavras, chamando pela minha avó, dizendo que não, um horror…
Depois daquela primeira paragem respiratória, os períodos de apneia eram enormes, 20 a 30 segundos de cada vez, seguidos do esbracejar desesperado da respiração aflitiva de quem tem falta de ar e de repente consegue respirar outra vez. A boca secava constantemente com a sua respiração ofegante e eu com uma esponjinha ia molhando. Toda a noite lhe disse que partisse, que a amava profundamente, mesmo com todos os quiproquós que tivemos ao longo da vida, naquele momento nada disso tinha importância alguma. Disse-lhe que fizesse a sua viagem daqui até à lua, que eu e os meninos ficávamos bem. Era o tinha de ser. Parecia que as horas não passavam, estava acordada a viver o meu maior pesadelo.
Por diversas vezes fui ter com o enfermeiro, para que lhe ajustassem a medicação (tinha uma bomba doseadora administrava a morfina lentamente). Lá aumentavam um pouquinho mais o valor. Durante toda a noite verificaram inúmeras vezes o estado dela, e incansavelmente me perguntavam se eu precisava de alguma coisa, tanto auxiliares como enfermeiros.
Ao longo da noite, conforme o sofrimento e do efeito da medicação, as feições delas desfiguraram de tal forma, ficou quase irreconhecível. Já perto do amanhecer a respiração era quase impercetível, os períodos de apneia diminuíram, o coração já batia muito fraquinho. Quando lhe pousava a mão no peito, parecia que o coração estava muito longe. Uma das enfermeiras numa visita até me disse: “Eu não sei se acredita nestas coisas, mas eu acredito. Sabe se há alguma coisa que a prenda cá, ela parece não querer partir como que se ainda não tivesse tudo resolvido”. Pela minha cabeça passaram num repente os últimos meses das nossas vidas, a nossa última desavença, de culpa dela. Mesmo não acreditando em coisa nenhuma, aquilo martelou-me as ideias.
Sentia-me exausta daquele sofrimento sem fim, e eu só assistia, não consigo imaginar o que estaria a ser para ela que estava ali a sofrer na pele aquele fim terrível. Agarrei-me a ela, naquela que seria a última vez com vida, com todas as minhas forças, dei-lhe inúmeros beijos, acariciei-lhe o rosto, sei que me sentia. “Amo-te muito, vou amar-te sempre, o que passou, passou, agora já não interessa, eu estou bem, eu fico bem e os meninos também. Eles também te amam muito, vamos ter saudades imensas. Podes partir chega de sofrimento. Sempre que olhar para a lua sei que vais estar lá” - Disse-lhe pela última vez. Instantes depois, às dez para as oito da manhã nova paragem respiratória, cronometrei como fui fazendo por diversas vezes ao longo da noite. Um minuto…, dois minutos… três, percebi que tinha partido. Toquei a campainha, veio o enfermeiro, foi a confirmação. Naquele momento deixei-me levar pelas emoções, chorei compulsivamente até quase me faltar o ar. Se por um lado sabia que era o melhor que lhe podia ter acontecido, por outro era a minha mãe ali sem vida, para nunca mais voltar. Chamei o meu marido e a minha irmã A. para irem ter comigo. Fiquei ali de mão dada com ela, acariciei-lhe as faces disformes, beijei-a, abracei-a com todas as minhas forças. Ganhei assim coragem para o que se seguia, tinha as cerimónias fúnebres para tratar, tinha de me recompor para ir contar aos meus filhos que a avó tinha partido. Tinha os amigos dela para avisar. Que estranho não ter ninguém de família a quem contar, família erámos só as duas.
Daquela noite nunca, mas nunca me vou esquecer, mas estive lá até ao último momento, foi comigo ao seu lado que partiu.
Post escrito dia 01 de Março no hospital, uma semana antes da minha mãe partir.
Estar aqui assim impotente sem nada poder fazer, assistindo àqueles que são provavelmente os últimos momentos de vida da minha mãe... Hoje está como nunca a vi, cansada ou melhor, exausta, custa.lhe respirar, quase não consegue falar, só pedia à pouco que queria dormir. Depois da medicação, ali está dormindo um sono que é tudo menos tranquilo. Só me resta estar aqui com ela o tempo que ainda me for possível. Maldita doença esta. No caso dela o que começou num pulmão, já está em todo lado. Não somos mesmo nada, o que um ser humano é o no que a doença o transforma. Doente, dependente num sofrimento sem dó.
No Sábado, que foi o último dia em a minha mãe até conseguiu ter um discurso razoável e manter uma conversa, no meio dos disparates que eu ia dizendo para puxar por por ela para a fazer rir um bocadinho, para a distrair de tudo o que está a passar, ela diz-me, fazendo sinal com a cabeça para a janela onde às cinco da tarde já se via a lua bem alta:
- Vou ficar sentada ali na lua a dizer-vos adeus.
Que murro no estômago... no meio de tanto sofrimento ela sabe bem qual o final desta história, e o quão breve poderá ser.
"Um beco sem saída é apenas um bom lugar para dar a volta."
Naomi Judd
Esta frase está num pequeno placard à entrada do quarto do hospital onde a minha mãe está internada. Não me sai da cabeça a dita frase. Ironia ou não beco sem saída é onde a minha mãe se encontra e volta a dar, provavelmente não há. Ou então há, se pensarmos que a morte é uma volta a dar e neste caso é para acabar com o sofrimento. O prognóstico é muito fechado, de um carcinoma epidermóide no lobo superior esquerdo (vulgo cancro do pulmão, neste caso esquerdo) passamos para uma explosão de tumores na zona abdominal pelos vários orgãos, mais ossos um pouco por todo o lado e tudo o que está inerente a esta situação. É horrível vê-la definhar de dia para dia, não desejo a ninguém. Se para mim é horrível, não posso nem imaginar para ela que é quem sofre na pele. São tubos e tubos, é não comer, é a desidratação, são feridas, são dores e são episódios convulsivos, são períodos de inconsciência, e tudo mais que nem vale a pena descrever.
Put@ de vida esta...
Assinalou-se esta semana, dia quatro de Fevereiro para ser mais precisa, o Dia Mundial de Luta Contra o Cancro. E quando não se quer lutar? Quando se tem um carcinoma epidermóide estadio III-a e não se quer lutar? É desesperante ter de lidar com alguém assim. O mais grave é que nem é bem o não querer lutar, é mesmo o "gostar" de estar doente. Toda a vida me lembro das imensas queixas de tudo e de nada e da imensidão de medicamentos que tomava, por iniciativa própria, à conta disso. Hipocondríaca que se prezava inventa doenças onde não existiam. Quando de facto ficava doente era o êxtase. Aquilo deixava-me possessa. Isso e o que ela chateava as pessoas à volta dela e depois mais tarde a mim, quando já tinha carro, para a levar ao hospital vezes sem fim. Ela fazia gosto naquilo.
Hoje que tem de facto um problema grave e sério, não tem o mínimo cuidado. Não segue as instruções do médico, faz a medicação que quer, a que o oncologista não lhe passa pede à médica do centro de saúde. Entrega-se ao estar doente, não se alimenta, não ingere as proteínas necessárias para poder enfrentar os tratamentos, enfim, tem sido uma palhaçada. Nos primeiros tempos consegui te-la na minha casa, fazia medicação atempada e correcta, comia (obrigada mas comia) tudo o que lhe fazia falta e em troca fartava-se de reclamar, tentava sempre enganar-me com os comprimidos, passava as noites em claro e depois dormia de dia, foi dose. Tanto andou, tanto fez, tantos problemas arranjou que acabou por se ir embora para casa dela. Agora claro é o descalabro. Tanta gente a necessitar dos recursos que ela desperdiça, fico chocada com tudo. Na passada semana foi de urgência para o hospital e lá ficou até ao dia seguinte para observação. Desidratada, mal alimentada, com dois pensos de morfina colocados em simultâneo fora os comprimidos que há-de ter tomado e não confessou. Era deprimente vê-la, sem dizer nada com sentido, sem entender nada do que lhe era dito, sem noção de espaço nem de tempo, sem se conseguir manter de pé, uma tristeza. Só reclamava, só se queria vir embora, eram todos estúpidos, dos médicos aos auxiliares. Quando a trouxe para casa estava outra, claro está. A meio desta semana estamos quase na mesma, nem sei o que fazer. Só se prejudica, e "gosta" destes filmes, adora fazer-se de vítima de desgraçadinha, toda a vida assim foi.
É frustante assistir a todo este processo e não poder fazer mais. Não admite que precisa de ajuda de foro psocológico até, para lidar com tudo, acredito que é dose. Não posso fazer mais porque ela não quer, mas para quem a ouve falar o discurso é o oposto. O que fazer quando não se quer lutar?
A tarde de ontem, no meu trabalho, foi de emoções fortes. Festejámos a vitória de um colega que me é bastante querido, numa luta que à partida tinha tudo para ser inglória. Venceu um estafermo de um cancro. Foram meses bem agrestes, com muito sofrimento que ele aguentou estoicamente. Entre tratamentos de quimio e radioterapia, nunca deixou de ir trabalhar, nunca foi menos profissional e nunca adoptou aquela postura de zangado com o mundo, conseguiu sempre sorrir-nos quando se calhar seria tudo o que menos lhe apetecia. Ah valente! Admirável mesmo. Na festa surpresa que a minha chefe (que é tia dele) lhe preparou, emocionou-se ele e emocionámos-nos todos, elas e eles. Eu então fartei-me de chorar, de felicidade por ele e por pensar no quanto eu queria que este fosse o happy ending reservado à minha mãe também. É dura esta batalha, mesmo um tanto ou quanto desavinda com a minha mãe, só quero vê-la bem, só queria que ela colaborasse para melhorar, mesmo sabendo que à partida a vitória é quase impossível. Mas perder sem lutar, isso é que não. Eu não sou assim, isto complica-me.
Pormenores à parte, a questão aqui é que o P. conseguiu e venceu. Os próximos meses são de controle cerrado, mas esta vitória está garantida. Viva o P.!!! És o maior.
"Por mais longa que seja a noite, o sol volta sempre a brilhar"
Esta quarta-feira, dia 12, o meu sogro perdeu aquela que era uma batalha perdida desde o início do combate. Infelizmente e tal como acontece na maioria dos casos perdeu a luta contra o cancro, com tumores vários, que travava desde Agosto do ano passado. Nós de casamento marcado, quando questionamos alterar a data, dadas as circunstâncias, foi o prmeiro a dizer que não, que ficava tudo como estava. Ainda bem que assim foi, ele esteve muito feliz nesse dia. Maldita doença.
Embora agora estivesse muito doente e desde que se soube do estado da doença, que era muito grave, esta criatura manteve a postura como ninguém. Tratamentos e mais tratamentos, exames e mais exames, consultas e mais consultas e ele sem uma única reclamação, sereno e resignado até. Foi um senhor até ao fim, excepção feita às duas últimas semanas em que a coisa desandou de vez e ele perdeu muito a noção da realidade, tornando-se agressivo e revoltado até, devido à localização de um dos tumores do cérebro. Quantas pessoas há que reclamam só porque sim não dando valor ao que a vida lhes dá (aqui refiro-me à minha mãe e à sua mania das doenças, que só faz é vitimar-se, e os nervos que isso me dá, só me apetece dar-lhe dois gritos a ver se cai na realidade).
Foi impressionante o número de pessoas que apareceram no velório e funeral, era uma pessoa muito querida por todos, amigos e familiares, até colegas de infância e conhecidos, impossível ficar indiferente. Eu que sou o membro mais recente da família, era a que menos convívio teve e não deixo de sentir a morte deste senhor. A todos fica a lembrança da sua boa disposição, as brincadeiras, era amigo do seu amigo, sempre disponível e pronto a ajudar.
Tinha sempre histórias para contar, muito foi o que passou ao longo da vida, desde os tempos em África, o retorno a Portugal e tudo o que passou por cá. Era um gosto ouvi-lo contá-las. Trabalhador incansável, amigo e colega dedicado, quando finalmente achou que podia aproveitar a vida com a reforma, logo lhe calhou em sorte ficar doente. Não teve tempo, “que chatice isto agora” foi o lamento que lhe ouvi dizer.
Os últimos três dias então foram muito difíceis, mas foi melhor assim, ele agora descansa, sofrimento acabado. À minha sogra que ao fim de quarenta e três anos de vida em comum e tudo o que passaram, restam as memórias, as lembranças de tudo o que só a eles diz respeito. E a memória essa fica sempre lá.
apenas esta nota negativa, apesar de corriqueira, ...
Simply the best!
O "grande" assunto do momento em vários blogues!"N...
Esta mulher fez parte da minha adolescência, e con...